quinta-feira, 20 de junho de 2019

EUGÉNIO DE CASTRO POR ELE MESMO


Obras poéticas de Eugénio de Castro / reprodução fac-similada dirigida por Vera Vouga


Vendo-me num beco sem saída, compreendi que era tempo de procurar uma nova senda ventilada e luminosa, que era necessário abrir para a paisagem, remoçada pelo vigor das novas colheitas, as janelas do Parnaso português, até então hermeticamente fechadas, e varrer dessas janelas as teias de aranha que comprometiam a limpidez dos seus vidros. 
Providencialmente passaram sob os meus olhos alguns livros dos simbolistas franceses, recentemente publicados, de Verlaine e Moréas, de Mallarmé e Viélé-Griffin, de Henri de Regnier e de Gustave Khan. Esses livros ensinaram-me milagrosamente a orientar as vagas e flutuantes aspirações do meu espírito e mostraram-me como a poesia portuguesa facilmente recobraria o seu vigor e a graça das suas grandes épocas, se alguém iniciasse nela um movimento idêntico ao francês, variando os ritmos e os motivos de inspiração, renovando o fatigado guarda-roupa das imagens, substituindo a expressão directa pelo símbolo e a expressão lineal dos parnasianos pela sugestão musicalmente vaga dos simbolistas. 
Pus novas cordas à minha lira ferrugenta, e partindo com ela para Paris, afinei-a ali nas margens do Sena, pelo diapasão francês, mas de modo que os seus acordes, sendo novos, continuassem sendo eminentemente portugueses pela sua emoção e pela sua harmonia.


Eugénio de Castro-Autobiografia in Obras poéticas de Eugénio de Castro / reprodução fac-similada dirigida por Vera Vouga



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