segunda-feira, 11 de março de 2019

ESCRITO EM COIMBRA À SOMBRA DE MINERVA


No dia 8 de março o Agrupamento de Escolas Eugénio de Castro comemorou o seu dia. Em homenagem ao nosso patrono, aqui transcrevemos um poema de Eugénio de Castro inspirado no rio Mondego.



AO PRATEADO MONDEGO 


Para, Mondego! Para, não prossigas
Prateado rio, não caminhes para o mar;
Ouve da minha boca as palavras amigas,
Que te podem salvar!

De ambicioso que és, até parece
Que tens um frágil coração humano;
A ambição te subjuga e te endoidece,
Rio, queres ser oceano!

À procura da luz, vais sumir-te nas trevas!
Caminhas para o mar, chegado lá,
A água doce que levas,
Salgada se tornará…

Antes que a tua alma chore arrependida,
Para, ambicioso! para o mar não vás,
Que és sobre a areia como nós na vida,
Que não podemos voltar atrás…

Olhos num traiçoeiro, fementido norte,
Não ouves dos mochos os fatais presságios?
Onde a vida buscas, vais achar a morte
Eras bom e manso e vais fazer naufrágios!

Deixaste as serras límpidas, honestas,
E as aldeias viçosas,
Deixaste a sombra mansa das florestas,
E vais beijar cidades crapulosas!

Põe em mim os teus olhos de berilo,
Rio onde, ingénuo e moço, me mirei:
Como tu, na ambição busquei um flavo asilo,
E vê o que lucrei…

Vê como volto com a lama esfarrapada,
Desiludido, cheio de amargor,
Dessa ululante Babilónia mais danada
Que a do perverso rei Nabucodonosor.

Fui à cata de rútilas grandezas,
Palácios de ouro, homens leais, moças divinas,
E só achei infâmias e torpezas,
Feras e ruínas.

Tristes os que caminham nesta vida,
Cegos, atrás duma ilusão traiçoeira!
Onde eu vira os jardins fabulosos de Armida,
Achei uma estrumeira!

Busca na solidão um carinhoso abrigo,
Enforca as ambições que te andam a tentar;
Para, meu doce, meu prateado amigo,
Não corras para o mar!

Antes te bebas a terra ou te demude em lago!
Detém-te! E se a piedade à alma trazes presa,
Lava-me a vista, que tão suja trago
De ver tanta impureza!


Eugénio de Castro in Obras poéticas de Eugénio de Castro: reprodução fac-similada dirigida por Vera Vouga.


Para, meu doce, meu prateado amigo,
Não corras para o mar!



Foto antiga do rio Mondego (meados do século XX)


Rio, queres ser oceano!
O rio Mondego perto de Montemor-o-Velho


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